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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Dos movimentos russos no Oriente Médio II: Nuances da "Nova Guerra Fria"

A cadeia de eventos do multifacetado conflito que assola a Síria tomou novas proporções com a intervenção direta da Rússia no teatro de operações: é tempo de rever os últimos movimentos russos no Oriente Médio, assunto de uma postagem há duas semanas neste blog.


Propositalmente abusarei do superpolitizado portal Sputnik, embora contextualizando-o com outras fontes. A razão é clara: abordar a política externa russa, a visão oficialmente difundida ao público na superpotência, vislumbrando sempre as ações nos teatros secundários do Leste Europeu e da Síria, no que creio que já podemos chamar de "Nova Guerra Fria".

Preclaro que a Rússia pretende fazer do suporte ao regime de Assad no teatro secundário da Síria contra o ISIS a maior demonstração de poder militar nas últimas décadas, adicionando a boa propaganda de combate ao fundamentalismo islâmico, de apelo mundial. Em contrapartida, acirrará o fundamentalismo islâmico em seus próprios territórios, aumentando o risco de tornar-se alvo primário de ataques jihadistas. Fiz uma postagem em 26/08/2015 sobre a exportação de fundamentalistas islâmicos pelo FSB, antes da intervenção direta da Rússia no conflito. Caramba, os amantes da vodka pensam mesmo em tudo!

Várias são as provas da estratégia de demonstração de poder na intervenção russa na Síria. Em 27/09/2015, a AFP noticiava a contínua expansão dos equipamentos militares russos remetidos diariamente por uma série de sortidas de seus impressionantes aviões cargueiros. A VKS tem implementado aeronaves e drones em suas suítes mais modernas nos bombardeios, além de clássicos anteriormente batizados em fogo que costuma exportar aos regimes de sua influência.

A Reuters noticiou em 28/09, durante a Assembléia Geral da ONU, a polêmica que se instaurou nas chefias executivas e altos ciclos estratégicos que norteiam o combate ao ISIS. A Rússia, o Irã e a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos concordam absolutamente em derrotar o ISIS, e discordam parcialmente sobre o futuro do regime de Assad. 

A separação do pão sírio do pós-guerra é a celeuma que remonta a excelente matéria da BBC em 02/10/2015, da qual faço coro com ligeiras adaptações: 

1) aos Russos e Iranianos convém apoiar a continuidade do regime de Assad, o que decerto lhes garantiria influência geopolítica e belos contratos de reconstrução; 
2) aos Americanos Assad não merece prosperar, tampouco a frente Al-Nusra, intimamente ligada a Al Qaeda e que já impôs severas derrotas ao esforço (mínimo) de armar e treinar rebeldes sírios - permanecem ainda as questões que envolvem o Iraque recém desmobilizado;
3) na estratégica turca, Erdogan não tolera o ISIS, Assad e muito menos os curdos separatistas que pretendem formar seu próprio estado, embora estes combatam o ISIS;
4) para Israel, conter o ISIS e o aumento da influência iraniana no Oriente Médio é prioridade;
5) a Arábia Saudita teme a evolução do fundamentalismo islâmico em seu território, e pretende ver Assad deposto.

Em 06/10/2015, o Sputnik publicou matéria em que a ministra russa das relações exteriores, Maria Zakharova, afirma que seu país não teria ilusões quanto ao regime de Bashar al-Assad. A ambigüidade da política externa russa é proposital. Matéria da Reuters lança holofotes no tema pela declaração do ministro britânico Philip Hammond:

"...Parece um pouco de clássica guerra assimétrica russa -- você tem uma mensagem forte de propaganda que diz que você está fazendo uma coisa quando na verdade você está fazendo uma coisa completamente diferente, e quando desafiado, você simplesmente nega isso terminantemente..."

É um tabuleiro de xadrez tridimensional, muito complexo, com múltiplos atores e adversários, não? Estima-se que 250.000 sírios tenham morrido no conflito. Peões - descartáveis nas estratégias das superpotências. Após o auxílio russo, Assad tem declarado confiança na vitória sobre os terroristas.

A OTAN expandiu presença e operações em resposta a reanexação da Criméia pela Rússia. Matérias recorrentes do Sputnik em sua vertente de propaganda oficial indicam a preocupações de Putin e seus generais. Em 02/10/2015, noticiou a intenção do governo da Hungria de abrigar um novo Centro de Comando das Forças de Reação Rápida da OTAN. No mesmo dia publicou ainda sobre o iminente exercício militar da OTAN (ARRCade Fusion 2015) que terá lugar na Letônia. Em 03/10/2015 de forma jocosa tratou de um navio militar supostamente russo que teria passado ao largo de Mälmo, na Suécia, provocando alarido na mídia báltica.

Estrategicamente, no plano de guerra do Kremlim há uma necessidade premente de demonstrar suas capacidades militares de superpotência diante da evolução da presença da OTAN no Leste Europeu. As recentes invasões ao espaço aéreo turco por aeronaves militares da VKS empregadas no conflito sírio nada mais são do teste de tempo e atitude de reação de um membro OTAN. Sobre as ações da VKS em território sírio, vale a pena conferir a criteriosa cobertura do blog CAVOK.

A motivação russa de socorrer um aliado e cliente militar tradicional como a Síria de Assad é mera dissuasão, cortina de fumaça. Enquanto a propaganda russa demonstra que Putin pretende cooperar com Obama na guerra contra o ISIS, como induz matéria do Sputnik em 28/09/2015, o flanco oeste russo na fronteira com a Ucrânia está cada vez mais militarizado.

O teatro de operações na Síria contra o ISIS constitui um eclipse no real conflito que representa a "Nova Guerra Fria": a guerra civil ucraniana. Estado "colchão" entre os eixos de influência das superpotências, deslocados à leste após o fim da URSS, o conflito na Ucrânia ainda está longe de arrefecer - não há dúvidas que ali se concentram os esforços de Putin.

Particularmente, reitero minha opinião pessoal: se a intervenção russa colaborar para a destruição do ISIS, entendo válida, bem como outras que assim contribuírem. A omissão diante da ameaça ISIS não é uma opção viável.

Fontes:

http://soldadodosilencio.blogspot.com/2015/09/dos-movimentos-russos-no-oriente-medio.html

http://soldadodosilencio.blogspot.com.br/2015/08/jihadistas-para-exportacao-ou-como-o.html

http://www.brasil.rfi.fr/mundo/20150927-guerra-na-siria-pode-ter-guinada-com-envio-de-reforco-militar-da-russia-e-do-ira

http://noticias.r7.com/brasil/eua-e-russia-discordam-sobre-papel-de-presidente-sirio-na-resolucao-da-guerra-civil-28092015

http://br.sputniknews.com/mundo/20150928/2263488/Putin-Obama-cooperaca-terrorismo-combate.html

http://www.cavok.com.br/blog/bulgaria-vai-alterar-legislacao-para-permitir-que-a-otan-possa-patrulhar-o-seu-espaco-aereo/

http://br.sputniknews.com/mundo/20151002/2309978/Hungria-abrigara-Centro-de-Comando-das-Forcas-de-Reacao-Rapida-da-OTAN.html

http://br.sputniknews.com/mundo/20151002/2306879/letonia-quer-montar-palco-de-exibicao-da-otan-para-russia.html

http://br.sputniknews.com/mundo/20151003/2314959/suecia-navio-russia-susto.html

http://noticias.r7.com/brasil/chanceler-britanico-diz-que-russia-conduz-quotguerra-assimetricaquot-na-siria-04102015

http://noticias.r7.com/brasil/assad-diz-que-siria-e-seus-aliados-derrotarao-o-terrorismo-04102015

http://www.cavok.com.br/blog/russia-faz-novos-bombardeios-na-siria-misseis-de-cruzeiro-sao-empregados-pela-primeira-vez-desde-o-inicio-da-campanha-militar-contra-os-jihadistas/

http://br.sputniknews.com/mundo/20151006/2339107/russia-nao-tem-ilusoes-assad-insiste-legitimidade.html

Um comentário:

  1. Além disso, é um claro recado a sua região do cáucaso, onde o islã tem raízes fortes e o extremismo pode florescer fortemente.

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